Denuncio
nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer — e respondo a toda essa
infâmia com — exatamente isto que vai agora ficar escrito — e respondo a toda
essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única
salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz
sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e
que não temos como garantia senão a fé — porque é cruel demais, então respondo
com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos
alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a
alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou — apesar de
tudo oh apesar de tudo — estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu
não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me
recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é
alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha
própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como, mas
tem que ser. Viver é isto: a alegria do it. E conformar-me não como vencida mas
num allegro com brio.
Clarice
Lispector, in ‘Água Viva’
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